mercoledì 23 luglio 2008

Gabriel G. Merlano

GABRIEL G. MERLANO

A Liberdade Religiosa e a Imprensa na Banda Oriental

De acordo ao título que nos convoca neste encontro,
onde pretende-se refletir sobre a liberdade religiosa num âmbito tão particular como é o dos meios de comunicação social, em seus aspectos jurídicos, devemos fazer alguma pontualização prévia que justifique nosso trabalho. Isso se deve às variadas dificuldades, entre elas à carência de suficiente normativa ao respeito, para abordar esta específica temática na realidade da República Oriental do Uruguai.
Por isso, acreditamos pertinente voltarmos às origens de nossa Pátria, onde sem dúvida podemos encontrar mais elementos que no presente, ao menos de interesse real. Mas não é história o que vamos fazer, já que não nos preocupa fazer um percurso no tempo, para observar como se desenvolveu o fenômeno da liberdade religiosa em relação à comunicação, mas simplesmente propor um texto crítico sobre o primeiro acontecimento que une estas duas realidades: a liberdade religiosa e o primeiro meio de comunicação que ia surgir na “Banda Oriental”.
Portanto, não se trata nem sequer de uma realidade estabelecida, senão de uma atitude assumida, diante de uma realidade por nascer. E nesta idéia surgia nem mais nem menos que o primeiro jornal que se pensou nestas terras, já que por volta de 1815 no “Cabildo de Montevidéu”, a partir de uma idéia originada por Artigas, se dispõe a editar “O Periódico Oriental” (na primeira imprensa que existiu). E o fato que suscita-se é que diante da aparição deste meio de comunicação, se oferece o cargo de revisor ao Presbítero Dámaso Antonio Larrañaga. Mas sua resposta, rejeitando o oferecimento, na que está toda a riqueza da questão, não é menor que sua figura e expressa: “estes povos não precisam de revisores dos escritos, somente um regime de liberdade é concebível”.[1]
É então nesta época, que aparece o primeiro texto, em que se relaciona a imprensa com a liberdade em geral, e que inclui sem dúvida a liberdade religiosa; na qual em suas diversas fases – também na parte jurídica – vai marcar a forma de interação dos mesmos ao longo de nossa história.
Mas antes de seguir, para uma melhor compreensão, localizamos brevemente o personagem central e seu contexto histórico; pois, quem era Dámaso Antonio Larrañaga? É muito o que podemos dizer de Larrañaga (1771-1848) se levarmos em conta que é considerado “o primeiro sábio oriental” especialmente pelos estudos cursados em ciências naturais, deixando uma obra de grande magnitude.
Embora, sem dúvida, o que mais conhecemos deste sacerdote, está relacionado à sua atuação nas primeiras lutas da independência. Atuação que levou-o, desde 1804, a ocupar importantes posições na história deste processo libertador, quando começou como Capelão dos militares, onde atuava Artigas. Sendo, portanto capelão do exército que em 1806 teve como objetivo a reconquista de Buenos Aires, de mãos dos invasores ingleses.
Em 1808 integrou o “Cabildo Aberto” de 21 de setembro que criou a “Junta do Governo” independente do vice rei de Buenos Aires, episódio que iniciou o chamado “Movimento Juntista” americano. Larrañaga foi designado como um dos integrantes dessa câmara de governo. Pelas idéias foi expulso pelo vice rei Elío, de Montevidéu em 1811, juntamente com outros padres patriotas a partir da vitória de José Gervasio Artigas na batalha das Pedras.
Tendo participado do Congresso de Abril de 1813 na zona de Três Cruzes, foi um dos deputados escolhido pelos orientais para assistir como Delegado à Assembléia Geral Constituinte das Províncias Unidas do Rio da Prata, em Buenos Aires, sendo portador das conhecidas instruções do ano XIII, expedidas por Artigas, àquelas que em seu artigo 3º expressavam: “Promoverá a Liberdade Civil e Religiosa em toda sua extensão imaginável”.
Em Buenos Aires, permaneceu durante dois anos cumprindo funções de vice - Diretor da Biblioteca Nacional, e por volta de 1815 retornou a Montevidéu, se desempenhou como Padre da Igreja Matriz, integrou-se ao governo “artiguista” da Província Oriental e de imediato propôs, ao “Cabildo”, a fundação da Biblioteca Nacional, da qual foi Diretor, logo de sua inauguração em 1816. Neste período, seria conhecido como colaborador muito próximo de Artigas, a tal ponto que se supõe, quase com certeza, que muitos dos documentos mais importantes produzidos pelo Prócer em sua atividade política, foram relatados com estreita participação do Presbítero Larrañaga.
Sua atividade em Montevidéu estendeu-se durante a dominação luso-brasileira, em que se aplicou a diversas tarefas de caridade. Em 1824 foi confirmado como primeiro Vigário Apostólico. Posteriormente, constituída a República com a primeira Constituição de 1830, foi eleito senador pelo Departamento de Montevidéu até 1835, destacaram-se seus projetos de lei, entre os quais encontra-se a abolição da pena de morte, a emancipação dos escravos e a fundação de cátedras universitárias que, sancionada como lei em 1834, é o primeiro antecedente das instituições universitárias no Uruguai.
Não queremos deixar passar a oportunidade de assinalar três elementos mais, que talvez deixaríamos de citar em outro contexto; pois esses dados referem-se diretamente à relação de Dámaso Antonio Larrañaga com esta cidade sede destas jornadas de conferências e com brasileiros em geral. Estamos nos referindo em primeiro lugar, a que se Larrañaga recebeu boa parte de sua formação no Real Colégio San Carlos de Buenos Aires e na Antiga Universidade de Córdoba, para culminar seus estudos eclesiásticos, viajou ao Rio de Janeiro, onde foi ordenado sacerdote, em 1799.
Em segundo lugar, no momento de finalização da causa “artiguista”, Larrañaga uniu-se à dominação portuguesa, até aceitar do humilhado “Cabildo de Montevidéu” a triste honra de transferir-se ao Rio de Janeiro, em missão de agradecimento ao rei João VI de Portugal. Em 1821 foi deputado ao Congresso Cisplatino convocado por Carlos Frederico Lecor no que se fez um acordo da incorporação definitiva da “Banda Oriental” à monarquia portuguesa.
E em terceiro lugar, devemos observar que o fato pelo qual não foi envolvido na revolução libertadora de 1825, é que sua postura eclesiástica o obrigava a ser respeitoso e fiel aos brasileiros, aos quais então o obedecia.[2]
Os dados deste personagem e o contexto histórico em que lhe tocou atuar, nos permitem compreender melhor sua resposta, diante da proposta que o “Cabildo de Montevidéu” lhe formulara, sendo que, agora nos permite analisá-lo com maiores detalhes e sentido crítico. São muitos e importantes os aspectos que podemos encontrar para o estudo nessas poucas palavras, ao ponto que é um dos primeiros textos que lêem os estudantes de Ciências de Comunicação em nosso país, quando iniciam esta profissão.[3]
A importância nasce em seu caráter histórico, na qual sempre é preciso ter presente este fato, especialmente porque quando olhamos para trás, percebemos que a comunicação tem provocado a liberação do homem até para poder pensar na revolução e o mundo novo que abriu a imprensa à humanidade, mas também sua escravização.
A comunicação e a ideologia estão estreitamente unidas, já que toda comunicação longe de ser neutra é um instrumento de persuasão, portanto, a causa à qual serve, o serviço de quem se oferece os meios e a intenção da mensagem, é algo muito ligado a uma concepção filosófica e política determinada. A comunicação se desenvolve numa realidade concreta, e portanto acontece sim, de uma forma pluralista, com acesso fácil para as pessoas e grupos, ver-se-á como libertadora, mas em troca o que prevalece é o excessivo controle, e como um meio escravizante.
Mas, além dos sistemas que não são o objetivo do presente trabalho analisar, o Uruguai, uma realidade concreta, que desde seu começo tem operacionalizado a comunicação, tem por tanto uma importante tradição nesta matéria. Esta tradição se identifica com o regime de liberdade plena, sem censura prévia e com responsabilidade ulterior pelos abusos que se cometem. É o regime que vêm das primeiras normas pré-constitucionais da assembléia de Florida e que passou aos dias de hoje ao artigo 29 da Constituição.[4] Podemos dizer então, sem temor que a gênese deste artigo constitucional encontra-se presente na resposta de Larrañaga, pois, de acordo com este regime “este país antes de existir como tal”, havia forjado no andar em direção à independência e à formação de uma nação, uma doutrina sobre a comunicação.[5]
Então, das mãos do Presbítero Larrañaga e a partir dele, os primeiros decretos do governo pré-constitucional, entre 1824 e 1828, assume-se esta posição por parte de todos os constituintes até a proclamação realizada por Ellauri (um dos criadores mais notáveis da constituição de 1830) sobre a liberdade de imprensa, considerando-a sentinela e vanguarda de todas as demais liberdades. Como vemos este regime de liberdade inaugurado por Larrañaga nos acompanha desde o início de nossa pátria. Portanto, “saibam que neste país a história de sua comunicação massificada começou dentro de um marco filosófico e legal de liberdade plena”.[6]
Considerando este marco histórico carregado de significados, poderíamos analisar esta frase, com a qual responde o Presbítero Larrañaga, a partir de diferentes pontos de vista, pois supõe e inclui uma variada temática: liberdade de imprensa; liberdade de consciência e pensamento; liberdade de expressão; posição da Igreja Católica frente às liberdades antes assinaladas; liberdade religiosa.
Destes âmbitos, partindo de onde se realiza uma análise e tendo presente o que já foi dito, acreditamos que o que mais interessa ao nosso propósito são os últimos aspectos, que revelam claramente a liberdade religiosa nos meios de comunicação e o papel da Igreja neles.
Mas, como vimos esta resposta, supõe uma proposta, que por sua vez, leva a uma determinada posição a respeito da Igreja Católica, como a liberdade de expressão no geral e a liberdade religiosa no particular; Quer dizer, se reconhece que a Igreja tem um papel moral que corresponde-lhe revisar a doutrina, própria de uma realidade onde se discute a confissionalidade, ou não, do Estado; a solução escolhida é a que imperava pois, na época nestes territórios, receberam o direto influxo da Espanha, portanto, a religião Católica Apostólica Romana é a preponderante.
Mas isso, não significa que as demais confissões sejam excluídas, pois como antes o assinalamos, as Instruções do Ano XIII, dadas por Artigas -dois anos antes da resposta de Larrañaga e levadas por este à Assembléia Constituinte de Buenos Aires- falam da liberdade religiosa em toda sua extensão. Entendendo-se esta expressão, no sentido que muitos deram ao interpretá-la com critério jurídico, como fato de que se está admitindo tudo o que pertence como próprio ao que se identifica como liberdade religiosa. E assim foi logo, na Constituição de 1830, quando apesar de ter-se consagrado uma solução juridicionalista, ao ter assumido o Estado, a religião Católica Apostólica Romana, não se excluiu, portanto a liberdade para outros cultos.
Porém, diante ao reconhecimento por parte do Estado do papel que lhe compete à Igreja, nos encontramos com a resposta do Presbítero Larrañaga. Nela advertimos uma concepção que perfeitamente podemos dizer que se adianta quase dois séculos, pois, sua postura revela uma opção pela mais ampla liberdade; Manifestando-se dita opção, nesse contexto, como própria da Igreja, à que ele representava. A Igreja então, defende a liberdade, não excluindo portanto a possibilidade de outras visões e opiniões, apesar de ter toda a autorização de limitar ao menos esta liberdade, concede-a, no entanto, como direito sem restrições. Entende-se claramente que a censura não libera, porém escraviza.
O que podemos dizer da liberdade no geral, podemos dizer da liberdade religiosa no particular, já que é à Igreja Católica como na realidade correspondia, na pessoa do Presbítero Larrañaga ao que se lhe solicita que exerça o cargo de revisor, mas este, opta pela liberdade e não pelo poder. Renuncia a constituir-se no poder, renuncia a ter um centro de poder, centralizando a opinião autorizando ou não o que devia divulgar-se através deste meio de comunicação, com tudo o que isto poderia significar de comunicação massiva de idéias. Quando existia a possibilidade de que somente o pensamento católico exercera autoridade, se renuncia a favor da liberdade da expressão, e neste caso, fundamentalmente da liberdade religiosa.
Se quisermos entender os elementos jurídicos implicados na liberdade religiosa nos meios de comunicação, aqui temos a referência originária do que tem sido o modo de ser nesta área. Isto deve-se então, à Igreja Católica pois, é a que consagra juridicamente a liberdade plena em matéria de imprensa em nosso país. A liberdade religiosa “em toda a extensão imaginável”, proclamada por Artigas e partilhada por Larrañaga manifesta-se como uma realidade palpável.[7] Também neste novo âmbito representado pelo meio de comunicação a ponto de nascer. Temos muito que aprender de Larrañaga, especialmente nestes dias em que o poder dos meios de comunicação social não está exclusivamente em mãos do Estado, mas de grupos privados, e muitas vezes de domínio, manipulação e ideologias. Mas há quase 200 anos, seguem oferecendo à Igreja Católica não o cargo de censura ou revisão, mas sim, uma opinião superior.
Basta uma simples olhada do que acontece ao nosso redor, para dar-nos conta que ainda há, diante dos assuntos de interesse, apesar do pluralismo reinante, e segue-se procurando a Igreja Católica e não a outras confissões religiosas, para que faça sua contribuição nos diferentes meios de comunicação.
Apesar disso, a relação da Igreja com os meios de comunicação e com o poder que os sustenta, salvando as distâncias, tem mantido sua essência, já que não reivindica nenhum direito de privilégio em sua opinião, com certeza diferente ao resto da sociedade, em muitos assuntos, porém segue manifestando-se aberta à diversidade crescente de manifestações religiosas presentes nos meios de comunicação.
A brevíssima, concreta e profunda resposta do Presbítero Larrañaga está mais vigente do que nunca, aliás, nunca deixou de estar tão vigente como agora, desde todo ponto de vista e especialmente do aspecto jurídico, pois, por volta de dois séculos, com a crescente tomada de consciência da importância dos direitos humanos, “somente a liberdade é concebível” para os nossos povos que “não precisam de censores ou revisores dos escritos”.

[1] Lamentavelmente não tem sido possível encontrar a fonte desta expressão, apesar das tentativas que não foram poucas, para a qual tomamos uma versão da mesma, como aparece citada (embora não refira-se a fonte) por Antonio Mercader. Comunicação massiva e características, ficha de estudo número 1 do curso de introdução na prática de comunicação, da Faculdade de Ciências da Comunicação da Universidade da República.
[2] Esta breve história da figura e o contexto histórico de Dámaso Antonio Larrañaga, foi retirada da bibliografia existente ao seu respeito.
[3] Como já dissemos, trata-se da ficha de estudo número 1 do curso de introdução na prática da comunicação, da Faculdade de Ciências da Comunicação da Universidade da República.
[4] A Constituição da República Oriental do Uruguai de 1967, em seu artigo 29 expressa: “É inteiramente livre em toda a matéria a comunicação de pensamentos por palavras, escritos privados ou públicos na imprensa, ou por qualquer outra forma de divulgação, sem necessidade de prévia censura, ficando responsável o autor e no caso, o impressor e emissor, com base na lei, pelos abusos que cometerem”.
[5] Antonio Mercader, o. cit. 4.
[6] Ibid. 5
[7] ”Liberdade Religiosa em toda sua extensão imaginável” é uma redação que pode ser interpretada em dois sentidos: “com um método histórico, como fazem alguns autores, pode-se estimar que procura-se uma liberdade a respeito do exercício do direito do patronato com relação a confissão oficial do Estado, a efeitos de que não ficasse centralizado em Buenos Aires o exercício de dito direito, ou pode-se interpretar como uma projeção técnico-jurídica, dando-lhe a expressão “liberdade religiosa” seu alcance preciso, pelo fato de que as Instruções estariam admitindo todas as manifestações que couberem dentro da liberdade religiosa”. E. Esteva Gallichio, Lições de Direito Constitucional 2. Volume 1. História Constitucional do Uruguai.Montevidéu 1993, 22.

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